Que mal nos fizeram as cianças?

28 de Junho, 2023por Clissol
Numa era tão direcionada para o digital, rápida, de um capitalismo selvagem e desenfreado, com uma visão tão egocêntrica da nossa existência, temos crianças perdidas nos seus corpos.
Não queremos encontrar culpados, só queremos e devemos refletir sobre a urgência de fazer mudanças. As famílias estão exaustas, as escolas também e as crianças começam a ficar perdidas, tornando-se o reflexo social desta forma de viver, sem pausas para respirar ou observar o que nos rodeia.

Que mal nos fizeram as crianças?

É urgente repensar a escola, os modelos educativos, o planeamento urbano e os tempos de brincar livre.

No seu mais recente livro, “Libertem as Crianças”, o Professor Carlos Neto diz-nos algo de extrema importância: “A presença do corpo e das suas linguagens é fundamental para o processo de ensino e aprendizagem”.

As crianças precisam de mais oportunidades para serem desafiadas cognitiva, emocional e socialmente, bem como desafiadas a nível motor, nos contextos de ação que lhes são próprios. Precisamos de equilibrar as agendas repletas de atividades, permitindo que as crianças quebrem estruturas, saibam dizer “não” e façam escolhas.

O brincar prepara para lidar com o incerto e enfrentar adversidades, além de auxiliar na regulação emocional.
Os dados nacionais relativos à falta de literacia motora são preocupantes e merecem a nossa atenção.
Enquanto Psicomotricista, utilizo sempre o brincar como o meu maior aliado terapêutico, pois permite o movimento, a exploração de novos contextos e objetos, a expressão corporal e uma comunicação não verbal magnífica e rica.

Clinicamente, tenho presenciado um aumento de casos com diagnósticos não definitivos, encaminhados por pediatras do desenvolvimento e pedopsiquiatras especializados e exímios na avaliação das crianças, considerando estes novos tempos que vivemos, os efeitos pós-pandemia e, consequentemente, o seu impacto no desenvolvimento infantil.
As crianças apresentam comportamentos inadequados, relações sociais parcialmente comprometidas, falta de repertório motor, dificuldades de concentração e permanência em tarefas, bem como falta de interesse e de exploração. Há crianças que não conseguem orientar-se num espaço novo, não sabem se correm, sentam ou exploram. Há crianças que ficam perdidas no meio de toda a sua agitação externa e interna, numa busca rápida daquilo que estão habituadas a alcançar ao sentarem-se em frente a um ecrã. São crianças perdidas que não conhecem os seus próprios limites, os limites dos pares e os limites dos espaços ao seu redor.

“A Psicomotricidade é uma área científica que tem por base a intervenção no corpo, no movimento, e na ação. O corpo é a base de tudo e o psicomotricista reconhece o corpo como o principal meio de comunicação, observando-o como um todo e focando a harmonia entre as competências psicomotoras, motoras, cognitivas, sociais e emocionais.

Através do brincar, esse maravilhoso aliado terapêutico, a criança e o seu corpo podem vivenciar, experimentar e consolidar aprendizagens. É urgente brincar!

Usando as palavras de Diane Ackerman, “Brincar é a forma favorita que o nosso cérebro tem de aprender.” Os corpos das crianças precisam de tempo para brincar e agir, tempo para sentir e tempo para ser criança.”

Autoria: Maria Costa – Psicomotricionista na Clissol